Cenas no Edifício Itu

Yuri Eiras
2 min readDec 29, 2022

Éramos dois no ponto de ônibus da Avenida Almirante Barroso. Quase oito horas da noite de um dos últimos dias do ano; a cidade avança em ponto morto, na banguela.

Enquanto aguardo o coletivo, passo os olhos pelas janelas do Edifício Itu. Poucas salas seguem com as luzes acesas. Uma no terceiro andar me desperta: vejo um homem sentado. Ele é grande e está de perfil, com olhar fixo em alguma coisa que, da rua, não consigo saber. O fundo da sala tem um imenso guarda-chuva pendurado na parede. Roupas estão amontoadas em um móvel. De longe, parece ser uma cadeira.

Permaneci de olhos atentos ao homem por, pelo menos, cinco minutos. O passatempo era entender qual a atividade principal daquela sala comercial. Sei da diversidade dos apartamentos nos edifícios da Avenida Treze de Maio: cursos de esperanto, escritórios de advocacia, salas de detetives particulares, casas de massagem, bordéis, muitos bordéis, academias de artes marciais. Percebi que o nosso bravo protagonista estava sem camisa, o que eliminava muitas das atividades mencionadas anteriormente.

Um segundo homem, também sem camisa, apareceu na janela e logo saiu. Os dois não entraram em combate. Tampouco se falaram. Aqui embaixo um ônibus se aproximava. O companheiro de ponto tomou seu destino para a Ilha do Governador. Os segundos até identificar o número da linha me fizeram perder a entrada de uma personagem importante naquele cômodo do terceiro andar. Uma mulher, agora, fazia companhia ao nosso companheiro, que permanecia sentado, imóvel, olhar fixo para algum canto.

A mulher tinha o cabelo preso e comportamento agitado. Usava uma blusa preta. Preto também era seu sutiã: ela tirou rapidamente a camiseta enquanto conversava com o homem. De busto livre, começou a circular à procura de algo na parede. As lâmpadas principais do cômodo apagaram. Restou uma sedutora luz amarela. Jamais imaginei que pudesse adjetivar uma luz como sedutora. As janelas continuavam abertas.

A mulher circulava com rapidez pelos cantos do escritório. Permaneceu alguns minutos em um ponto cego, onde cheguei a acreditar que alguma parte da história se desenrolava. Mas, vi que estavam de costas um para o outro, posição que impossibilita golpes, em se tratando de um centro de lutas, ou massagens — pelo menos as tradicionais. Os dois levantaram. Ele, sem camisa. Ela de sutiã. É agora?, pensei. Mas o que é esse agora, que ainda não descobri? Por um momento, perdi a mulher de vista. Voltou à sala com duas vassouras. Tomei um táxi.

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